Infiltração para a capsulite adesiva do ombro: procedimento tríplice
Introdução
A capsulite adesiva, também conhecida como ombro congelado, é uma condição caracterizada por dor e significativa restrição do movimento articular. Acomete de 2 a 5% da população geral e é mais prevalente em mulheres entre 50 e 60 anos, especialmente em pacientes com condições como diabetes e hipotireoidismo. Embora existam várias opções de tratamento conservador, a infiltração tríplice tem se destacado como uma abordagem eficaz para o manejo dessa condição.
O que é o procedimento tríplice para a capsulite adesiva?
A infiltração tríplice é um procedimento que combina três intervenções não cirúrgicas: infiltração intra-articular com corticosteroides, distensão capsular com soro fisiológico e manipulação do ombro sob sedação. Esta abordagem tem como objetivo aliviar a dor e restaurar a amplitude de movimento de forma rápida e eficaz. O procedimento é realizado em ambiente hospitalar, sob sedação, semelhante à utilizada em exames de endoscopia, garantindo que o paciente não sinta dor durante a intervenção.
Indicações para a Infiltração Tríplice
A infiltração tríplice é indicada principalmente para pacientes com capsulite adesiva que não respondem adequadamente ao tratamento conservador convencional, como fisioterapia e medicação oral. Esta técnica é particularmente recomendada para pacientes com dor intensa e severa restrição do movimento, que afeta significativamente a qualidade de vida e as atividades diárias.
Como é realizada a Infiltração Tríplice?
O procedimento começa com a infiltração intra-articular de corticosteroides, combinados com anestésicos, diretamente na cápsula articular do ombro. Em seguida, é realizada a distensão capsular, onde soro fisiológico é injetado na articulação para expandir a cápsula rígida e fibrosada. Por fim, a manipulação do ombro é realizada, movendo suavemente a articulação em várias direções para romper as aderências e melhorar imediatamente a amplitude de movimento. Este processo é realizado com o paciente sedado para garantir conforto e evitar dor durante a manipulação.
Resultados Esperados
Diversos estudos clínicos demonstram a segurança e efetividade de infiltrações articulares, de manipulações sob sedação e de hidrodilatação. Porém nenhum estudo prévio realizava os 3 procedimentos em associação.
Realizamos um estudo prospectivo no Grupo de Ombro e Cotovelo do IOT HC-FMUSP. O estudo avaliou 65 ombros de 63 pacientes com capsulite adesiva submetidos ao procedimento tríplice, com acompanhamento em 30 dias, 3 meses, 6 meses e 12 meses após o tratamento. Os resultados demonstraram uma melhora significativa em todas as escalas funcionais utilizadas, com destaque para os ganhos na amplitude de movimento e na redução da dor. A melhora significativa já foi observada no curtíssimo prazo, com ganhos notáveis na primeira avaliação, realizada 30 dias após o procedimento.
Melhora Funcional
A média do escore na escala ASES (escala funcional do ombro, de 0-100, quanto maior melhor) progrediu de 37,7 pontos na avaliação inicial para 94,1 pontos após 12 meses do procedimento, com diferença estatisticamente significante (p < 0,001). É importante destacar que em 64 dos 65 ombros avaliados (99% da amostra), a melhora ultrapassou a diferença clínica minimamente significante de 12 pontos na escala ASES, indicando uma mudança muito relevante na funcionalidade do ombro.
Além disso, o escore na escala UCLA (0 a 35, quanto maior melhor evoluiu de 15,9 pontos 33,2 e o escore SANE (escala funcional do ombro, de 0-100, quanto maior melhor) passou de 50,4 pontos para 94,3 após 12 meses, todos com significância estatística (p < 0,001).
Ganho na Amplitude de Movimento
A amplitude de movimento passivo também apresentou uma melhoria significativa. A elevação passiva do ombro aumentou de uma média de 114° para 176° em 12 meses. A rotação externa em posição neutra melhorou de 29° ± 17° para 72° ± 11°, enquanto a rotação interna em posição neutra melhorou de 18,6 ± 3,6 pontos para 9,4 ± 2,4 pontos.
Ausência de Complicações
Um aspecto crucial dos resultados foi a ausência de complicações relacionadas ao procedimento. Nenhum paciente apresentou fraturas, lesões no manguito rotador ou instabilidade articular após a manipulação do ombro. Este dado reforça a segurança e a eficácia do procedimento tríplice como uma opção de tratamento para capsulite adesiva.
Conclusão do estudo
Os resultados demonstram que o tratamento da capsulite adesiva com o procedimento tríplice não apenas melhora a função e a amplitude de movimento do ombro de forma clinicamente significativa, mas também o faz sem apresentar complicações. A alta taxa de sucesso e a segurança do procedimento indicam que ele deve ser considerado uma opção viável e eficaz para o manejo dessa condição.
Recuperação após a infiltração
Após o procedimento, os pacientes são orientados a seguir um programa de exercícios domiciliares, com o objetivo de manter e melhorar o ganho de movimento obtido. O uso de analgésicos e anti-inflamatórios pode ser necessário nos primeiros dias para controlar a dor pós-operatória. A recuperação geralmente ocorre dentro de 30 dias, com o paciente sendo capaz de retornar às suas atividades normais com uma amplitude de movimento significativamente melhorada. Alguns casos podem levar cerca de 3 meses para a recuperação completa, porém já apresentam uma melhora em prazos mais curtos.
Alternativas à Infiltração Tríplice
Outras opções de tratamento incluem a fisioterapia isolada, a injeção intra-articular de corticosteroides sem manipulação, os bloqueios do nervo supra-escapular e a liberação capsular por artroscopia. A escolha do tratamento depende da severidade dos sintomas, da resposta do paciente ao tratamento conservador inicial e das preferências do paciente.
Um estudo comparou três abordagens para o tratamento do ombro congelado: manipulação sob anestesia, liberação capsular artroscópica e fisioterapia estruturada precoce. Os resultados mostraram que, após 12 meses, não houve diferenças clínicas significativas entre os três grupos em termos de dor e função do ombro. No entanto, a liberação capsular apresentou um risco maior de eventos adversos graves e foi a opção menos custo-efetiva. Já a manipulação sob anestesia foi considerada a alternativa mais econômica, proporcionando bons resultados funcionais com menor risco em comparação com a liberação capsular. Em resumo, nenhuma das três técnicas se destacou em termos de eficácia clínica, mas a manipulação sob anestesia mostrou-se uma opção segura e mais acessível economicamente. Vale destacar que esse estudo realizou a manipulação associada ao uso de corticoides, sem a hidrodistensão, como realizamos de rotina.
Referências
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- Lista completa de referências